Quem viveu a década de 1990 no Brasil provavelmente se lembrará do especial Amigos, exibido pela Globo. Tratava-se de um show com algumas das maiores duplas sertanejas do País à época: Zezé Di Camargo e Luciano, Chitãozinho e Xororó e Leandro e Leonardo.
A ideia do programa era mostrar uma amizade fora dos palcos e misturar os sucessos dos repertórios de cada dupla sertaneja.
Era possível ver – e ouvir – É o Amor sendo cantada por Luciano e Leonardo, Não Aprendi a Dizer Adeus por Leandro e Zezé Di Camargo, Página de Amigos por Chitãozinho e Leonardo ou Você Vai Ver por Luciano e Xororó, entre outras tantas versões.
Em 31 de dezembro de 2018, completam-se 20 anos da última vez em que o especial foi ao ar na Globo. Relembre as quatro edições do programa exibidas pela emissora e assista a algumas interpretações memoráveis da música sertaneja.
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AMIGOS – O INÍCIO EM 1995
O primeiro especial Amigos foi exibido em 23 de dezembro de 1995, e contou com uma introdução em clima rural, com cenas de gado e plantações em uma fazenda de Chitãozinho, na cidade de Campinas.
“Dezembro de 1995: pela primeira vez, seis grandes amigos se encontram e dividem a mesma emoção. Eles fazem da amizade a força do seu canto”, dizia uma voz em off.
A abertura ainda mostrava os cantores tendo uma refeição juntos à mesma mesa enquanto falavam sobre a importância da amizade.
“Pra mim, é a gente poder olhar nos olhos do outro e saber que nenhum tá fazendo mal ao outro. O respeito do ser humano, um pelo outro, não ter falsidade, estar comendo na mesma mesa. Pra mim, isso é amizade”, dizia Leandro.
Xororó emendava: “Amigo pra mim tem que ser sincero, porque sou uma pessoa muito sincera. Quando gosto de verdade, não importa onde estiver, o amigo tá no coração, pro que der e vier. Não importa o momento, o lugar a hora.”
Na sequência, surgia o palco da superprodução, com um grupo de animados dançarinos embalados por uma versão instrumental que juntava diversos dos sucessos das duplas sertanejas envolvidas.
Leandro e Leonardo surgem para a plateia, cantando os primeiros versos do clássico Disparada, música escolhida para abrir o show. Pouco depois, surgem Chitãozinho e Xororó e, por fim, Zezé Di Camargo e Luciano.
Cerca de 100 mil pessoas estiveram presentes no Espaço Verde Chico Mendes, em São Caetano, onde foi gravado o espetáculo. O ingresso podia ser trocado por brinquedos e alimentos não perecíveis para fins beneficentes.
O sucesso da apresentação foi tanto que a Globo chegou a reprisá-la duas vezes no ano seguinte, em março e junho de 1996.
Relembre É o Amor cantada por Luciano e Leonardo:
AMIGOS – 1996
Em 1996, o especial Amigos foi exibido em 25 de dezembro, dia de Natal.
A abertura da atração trouxe os seis cantores dentro de um helicóptero (cinematográfico), falando sobre o show do ano anterior, sendo interrompidos por alguns flashbacks de 1995.
Desta vez, o show foi gravado em Paulínia, em São Paulo. Os seis chegaram ao palco cercados por artistas circenses e arremessaram rosas à plateia. a música escolhida para abrir o show foi Viola Enluarada.
A edição do especial Amigos em 1996 contou com a presença de outras suplas sertanejas pela primeira vez: João Paulo e Daniel, Chrystian e Ralf e Gian e Giovani dividiram os microfones ao longo do show. A cantora Simone e o locutor de rodeios Asa Branca também participaram.
A atração chegou a ser reprisada uma vez, na faixa Terça Nobre, no ano seguinte.
Relembre Não Aprendi a Dizer Adeus cantada por Leandro e Zezé Di Camargo e Evidências cantada pelo quarteto Chitãozinho, Xororó, João Paulo e Daniel:
AMIGOS – 1997
Em 1997, o especial foi gravado no ginásio Mineirinho, em Belo Horizonte, e exibido em 30 de dezembro.
Entre os artistas convidados para cantar ao lado dos Amigos estavam Fábio Jr., Daniela Mercury, Roberta Miranda e Daniel. O sertanejo havia acabado de perder seu amigo e sua dupla, João Paulo, morto em um acidente de carro em 12 de setembro de 1997.
“Já que nós estamos na festa dos amigos, os amigos verdadeiros, gostaria da licença de vocês pra dedicar uma música ao melhor amigo que eu tive”, disse Daniel antes de cantar a música Canção da América, de Milton Nascimento. Em determinado momento, o público estendeu um bandeirão com o rosto de João Paulo.
O especial de 1997 marcaria também a última apresentação de Leandro com o grupo exibida na TV.
A MORTE DE LEANDRO
“Durante o Amigos, uma coisa que marcou muito [foi que], infelizmente, nós perdemos o Leandro. Depois o Leonardo… Foi difícil trazê-lo pro palco novamente”, contou Chitãozinho em entrevista contida no DVD Amigos.
Após sentir algumas mudanças em sua saúde e realizar diversos exames entre abril e maio de 1998, o cantor Leandro descobriu que sofria de um tipo raro de câncer no pulmão, o tumor de Askin.
Leandro chegou a viajar para os Estados Unidos para buscar tratamento e demonstrava otimismo e confiança em sua recuperação.
“Ter Deus no coração é a primeira coisa que o ser humano tem que ter. Em segundo lugar, saber que milhões de pessoas no Brasil tão rezando por mim e essa corrente é muito forte, me fortalece muito”, contou o cantor ao Jornal Nacional durante sua viagem.
No Jornal Hoje exibido após a morte de Leandro, o jornalista Edney Silvestre falou sobre o caso: “Uma pessoa de dentro do [Hospital] Johns Hopkins, que não pode se identificar, nos contou que a primeira ideia dos médicos americanos era uma operação para a retirada do tumor e de um pulmão. Leandro não quis. Sem um pulmão, não poderia mais cantar.”
Na sequência, com o crescimento rápido do tumor, precisou passar por uma quimioterapia. Após uma redução no tamanho do tumor, chegou a cantar Pense em Mim para fãs que o esperavam na saída do hospital.
Já em seu apartamento, tempos depois, sofreu uma parada cardiorrespiratória. Foi reanimado por médicos no próprio local, mas acabou indo para a UTI do hospital São Luiz, onde sofreu uma infecção generalizada e foi sedado.
Leandro morreu à 0h10 do dia 23 de junho de 1998. Como causa da morte, um tumor torácico gigante que comprimiu suas estruturas vitais localizadas no tórax, como coração, pulmões e vasos.
Seu irmão, Leonardo, estava fazendo um show em Caldas do Cipó, na Bahia, quando se deu a morte de seu irmão. O local estava lotado por conta da época de São João, com cerca de 4 mil pessoas na plateia. O sertanejo só soube da morte de Leandro por volta das 3 horas da manhã, após o término da apresentação.
Estima-se que cerca de 25 mil pessoas compareceram ao seu velório, realizado na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, onde uma bandeira do Brasil e um chapéu de Cowboy foram colocados sobre seu caixão. O enterro, por sua vez, ocorreu em Goiás.
O corpo do cantor chegou às 20h15 no Ginásio Rio Vermelho, em Goiania. Parentes mais próximos pediram para ficar alguns minutos em privacidade, porém, houve pressão por parte dos fãs, que ameaçaram quebrar as portas do ginásio, fazendo com que o velório logo fosse liberado ao público.
AMIGOS SEM LEANDRO E A INDEFINIÇÃO DE LEONARDO
“Em 15 anos eu e o Leandro conseguimos muitas coisas juntos. Os compromissos feitos em nome da dupla eu vou cumprir, mas, depois, vou decidir o futuro da minha carreira”, contou Leonardo no dia da missa de sétimo dia para Leandro.
“Fiquei sozinho, sem a dupla, mas recebendo um apoio muito grande dos meus companheiros, dos amigos, do [diretor do Amigos, Aloysio] Legey. Depois de cinco dias que o Leandro tinha morrido, ele me ligou: ‘Você não quer vir pra França? Vai ter um evento que a Rede Globo tá fazendo, seria muito bom se você viesse.’. ‘Ah, não sei se vou dar conta, não'”, contou Leonardo no DVD Amigos, anos depois.
A ideia do cantor era se reunir com sua família em novembro de 1998 para decidir se abandonaria os palcos. No mesmo dia da missa de sétimo dia, porém, Leonardo embarcou para Paris, na França, onde faria um show decisivo para a sua carreira.
“Conversei com minha mãe, meu pai, meus irmãos, e eles falaram: ‘Vai’. Então eu fui. Eu sabia que não ia dar conta de cantar nada. Mas o Legey tem grande parte no meu retorno à música. Foi um momento muito emocionante da minha vida, que nunca vou esquecer. Lá em Paris, o dia que fui cantar a música do Roberto [Carlos]…”
AMIGOS EM PARIS
No dia 1º de julho de 1998, como parte do projeto Brasil 500 da Globo, foi realizado o especial Coração Brasileiro, gravado no estádio Parc des Princes, em Paris
À época, ocorria a Copa do Mundo da França, e a torcida brasileira vinha embalada por uma goleada por 4 a 1 sobre a seleção do Chile nas oitavas de final do torneio, dias antes.
Os Amigos fizeram então sua primeira apresentação sem a presença de Leandro.
“Há pouco mais de uma semana, nós perdemos um pai, um filho, um irmão, um grande amigo. E quando eu digo nós, não estou falando apenas de nós aqui no palco, estou falando de todos nós brasileiros”, introduziu Zezé Di Camargo.
Xororó prosseguiu: “O Leandro nos deu durante sua vida um exemplo de determinação, talento, humildade e profissionalismo”. “Ele mostrou nesses últimos dias o verdadeiro sentido da coragem, da dignidade e da fé”, complementou Chitãozinho.
Leonardo concluiu: “E essa fé, essa força, [é o] que nos mantêm cada vez mais unidos. E por isso estamos aqui hoje, pra fazer aquilo que o Leandro mais gostava de fazer: cantar. Vamos cantar pra ele hoje.”
Neste momento, Leonardo adentra o palco, sozinho, cantando o início de Um Sonhador:
Eu não sei pra onde vou
Pode até não dar em nada
Minha vida segue o sol
No horizonte dessa estrada…
Logo em seguida, Leonardo começa a cantar a música Força Estranha, de Roberto Carlos, com trechos como: “Por isso uma força me leva a cantar” e “Por isso é que eu canto, não posso parar”.
O cantor se emociona e não consegue completar um trecho da canção. De pronto, acaba sendo amparado pelos outros quatro sertanejos, que concluem a música juntos, ovacionados pela plateia.
O especial Coração Brasileiro foi exibido na TV em 2 de julho de 1998, dia seguinte à sua gravação e véspera da vitória brasileira por 3 a 2 sobre a Dinamarca. A seleção de Zagalo terminaria a Copa com o vice-campeonato.
O ÚLTIMO AMIGOS
Por volta das 21h40 do dia 31 de dezembro de 1998, logo após a novela Torre de Babel e precedendo o Show da Virada, ia ao ar a última edição do especial Amigos.
Imagens dos espetáculos dos anos anteriores eram exibidas enquanto uma voz em off lia um texto sobre o momento.
“31 de edezembro de 1998. Começamos agora a comemorar a chegada do novo ano. É hora de fazer um brinde ao futuro. Junto com nossos amigos, esse brinde é a nossa festa. No olhar de cada um deles, podemos ver um pouco das nossas vidas: os encontros, as dúvidas, as tristezas, a esperança.”
“Quem tem um amigo sabe que, em cada abraço, em cada aperto de mão, está a força para sonhar com um mundo melhor. Fazer amigos é saber dividir. É aceitar cada um do seu jeito e respeitar as suas creças. Amigos, que no ano novo, os homens possam viver em harmonia, para que a paz esteja cada vez mais perto de nós. A todos vocês um feliz 1999.”
O espetáculo foi gravado no Espaço Verde Chico Mendes, em São Caetano, mesmo local onde se deu o início da parceria, quatro anos antes.
Cerca de 60 mil pessoas estiveram presentes no local e assistiram ao show, que teve momentos em clima de emoção por conta de Leandro. Em uma das últimas músicas do show, o grupo Fat Family acompanhou os sertanejos cantando Ave Maria.
AMIGOS & AMIGOS – 1999
Poucos meses após a exibição do último especial Amigos, a Globo tentou apostar novamente na música sertaneja com o Amigos & Amigos.
O programa contava com conversas, momentos de bastidores, além, é claro, de muita música. Havia algumas reportagens feitas pela atriz Lúcia Veríssimo, à época dividindo sua agenda com a gravação da novela Andando nas Nuvens.
“Será uma grande festa, mas com estrutura mais modesta do que a do especial”, explicava o diretor-geral do programa, Paulo Trevisan.
À época, a Globo brigava ponto a ponto por audiência com o Domingo Legal, comandado por Gugu Liberato no SBT. “Se o ibope oscila quando um desses artistas está no Gugu ou no Faustão, então agora estamos feitos”, dizia Aloysio Legey, diretor de núcleo.
Passaram pelo programa outros artistas conhecidos do público, como Padre Marcelo Rossi, Roberta Miranda e as duplas Rosa e Rosinha e Christian e Ralf.
O programa ficou no ar durante sete meses, exibido sempre aos domingos, por volta das 15 horas, mas não marcou tanta época como os especiais de fim de ano.
OS AMIGOS HOJE EM DIA
Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano e Chitãozinho e Xororó seguem na ativa até os dias de hoje.
Zezé Di Camargo e Luciano chegaram a ter alguns desentendimentos e preocuparam os fãs com um possível fim da dupla no ano de 2011, mas se ajeitaram posteriormente.
Chitãozinho e Xororó falaram sobre os 48 anos de estrada que têm como uma dupla sertaneja recentemente, em entrevista ao Altas Horas.
“Hoje em dia a gente não fica muito tempo junto. A gente trabalha muito todo final de semana, mas se diverte separado, não vive o cotidiano. Aí não ia aguentar”, disse Chitãozinho.
O cantor foi complementado por Xororó: “Foi a maneira que a gente encontrou. Aprendemos com os anos que é assim que precisa ser, senão a gente fala de trabalho o tempo todo.”
Após a morte de Leandro, Leonardo seguiu em carreira solo. Ele também é conhecido por situações de simplicidade que compartilha com os fãs nas redes sociais, como na vez em que ofereceu um café para um trabalhador que fazia a limpeza no 27º andar de seu prédio e estava pendurado na janela, ou quando reencontrou amigos da época em que trabalhava em uma plantação de tomates em Goiás.
Em abril de 2018, um show realizado na Arena do Grêmio, em Porto Alegre, foi comparado ao programa Amigos.
Na ocasião, Zezé Di Camargo e Luciano, Chitãozinho e Xororó e Leonardo, além do cantor Daniel e da dupla Bruno e Marrone, organizaram um festival chamado Eles Estão de Volta.
Desta vez, porém, os artistas não subiram ao palco simultaneamente.
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