domingo, 17 de abril de 2011

Histórias da Casa de Apoio São Luiz

Trabalho solidário Rose Souza Amparar pessoas portadoras de câncer é uma tarefa que exige dedicação, perseverança e, acima de tudo, amor para com o próximo É com o coração aberto que a Casa de Apoio São Luiz, instituição filantrópica que se localiza em Aparecida de Goiânia, mantém um grande sonho, que foi idealizado pelo cantor Leandro – vítima de câncer, em 1998. Ele não viu o sonho florescer. Mas a mãe dele, dona Carmem Divina Costa, se encarregou de cuidar do sonho do filho. Ela ajuda a cuidar da casa de apoio, “e com amor”. O trabalho da casa é receber bem pessoas carentes, portadoras de câncer, de toda região do Brasil. E não se resume só em acolhê-los, mas fazer com que eles se sintam em casa: Os pacientes encontram apoio para amenizar o sofrimento. As pessoas são carentes e muitas não têm recursos para manter os tratamentos em outra cidade. A casa trabalha para amparar, acolher e dar força aos portadores, para que eles continuem lutando pela vida. Eles chegam sem esperança, muitos não têm nem mais o que comer. Estão desiludidos, e gastaram o que tinham é o que não tinham. O câncer é uma doença que não escolhe a vítima. E os mais pobres sofrem pela falta de condição financeira e, com isso, não tratam da saúde dignamente. Segundo Carmem, a casa foi fundada em 1999, e começou com 14 quartos, atendendo 40 pessoas. Hoje, conta com 42 apartamentos, todos mobiliados e com banheiros, e atende 84 pessoas. Todo paciente tem direito a um acompanhante, mas isso não impede que outras pessoas venham de fora para visitá-los. Os pacientes ficam o tempo necessário para o tratamento. A casa oferece um ambiente familiar. Conta com um refeitório, que serve todas as refeições fora e dentro do horário, além de uma sala de estar para assistir TV, ler revistas, descansar a mente. Conta com um carro, no estilo van, para levar os pacientes para fazer consultas rotineiras. E também: duas ambulâncias para atuar nas emergências. Ambulância e escola Fátima Costa, 50 anos, filha e administradora da Casa de Apoio São Luiz, revela que as ambulâncias são essenciais no dia a dia. Por isso, estão sempre disponíveis para qualquer emergência. Também conta com assistente social e psicóloga para ajudar os que ali se encontram. Um dos trabalhos da casa de apoio é permitir que as crianças que estão fazendo tratamento não percam o ano escolar. A casa conta um projeto, reconhecido pelo MEC, e duas professoras que lecionam do maternal à 8ª serie. Os estudantes têm direito de ter a professora disponível uma hora e meia por dia. Costura, orações e doações Todas as terças-feiras e quintas-feiras, Carmem Divina, a proprietária, e mais oitos amigas voluntárias, passam a tarde costurando, fazendo lençóis e tudo que dá para aproveitar. Segundo Carmem, elas ganham muitos retalhos e tecidos. Elas aproveitam tudo para fazer peças variadas - num clima de amizade. Cantando e conversando, assim fazem lindos trabalhos. As acompanhantes dos pacientes em tratamento, se quiserem, podem ajudar, “mas só se quiserem mesmo”. O lugar conta com 11máquina de costura. “E qualquer pessoa pode ser voluntária, basta querer”, completa Carmem. A religiosidade é presente na casa conta, com uma igreja aberta para pacientes e acompanhantes. Ali eles fazem orações. O lugar é cheio de jardins e conta com uma área repleta de árvores frutíferas, além de muita natureza em volta. Fátima fala que não imagina mais a vida dela sem o trabalho da casa. “O que é mais importante é saber que estou ajudando o próximo. Podemos dar força e conforto a quem se encontra fragilizado”. As doações são bem-vindas e fundamentais: “A família da Casa de Apoio São Luiz fica muito feliz com o trabalho. Por isso, toda e qualquer doação e bem aceita. Meu irmão, Leonardo, não deixa e nem permite que falte nada, ele tira do próprio bolso pra cobrir as despesas”, conta Fátima. ** História de dona Mariza Mariza Ferruda da Macedo, dona de casa, 40 anos. Ela é mãe de Gabriel Ferruda, dois anos de idade, vítima de um tumor na cabeça. É em momentos difíceis que as boas ações acontecem: quem necessita de ajuda, encontra na Casa de Apoio São Luiz. “Procurei o lugar certo”, conta a aposentada Mariza Ferruda, moradora da cidade de Campos Belos, Goiás. Vitima de paralisia quando era criança, viu o mundo desabar quando percebeu um “caroço” na cabeça de seu filho Gabriel. A mãe procurou saber os problemas, mas os médicos não davam nenhum parecer. Segundo ela, num ato de desespero, veio para Goiânia por conta própria, e pagava R$ 27 reais, por dia, numa quitinete, além de gastar com alimentação. Com pouco o dinheiro, e com a certeza que seu filho era portador de um tumor na cabeça, ficou sem rumo “e sem recurso”. Mas no fim do túnel, sem esperança, foi aconselhada por uma moça: “Procure a Casa de Apoio São Luiz”. E foi o que dona Mariza fez. Sem dinheiro para ficar em Goiânia, e sem acompanhamento, bateu na porta da casa de apoio - que os receberam “com muito amor”. Ela deixou claro: “Nós conseguimos através de Deus”, revela. Mariza teve a certeza que podia dar continuidade ao tratamento do filho. “Aqui, na casa, fui bem recebida e não colocaram nenhuma dificuldade para nos receber. A casa abriu todas as portas quando eu já não sabia como continuar o tratamento”. O apoio mudou toda a história e, segundo a mãe, o tratamento pode durar até três anos. “Sou grata a essa família” A casa de apoio recebe, geralmente, um acompanhante por paciente, mas isso não impediu que o irmão acompanhasse também o tratamento, uma vez que não dá para dona Mariza segurar sozinha o Gabriel, assim que quimioterapia termina. Preocupada, procurou a diretora da casa e expôs essa dificuldade. A coordenadora e dona da casa abriu todas as portas para ela e nem colocou dificuldades - pediu apenas que se sentisse bem e em casa. “Estou sendo bem atendida, o pessoal aqui é muito bom”. “Antes de chegar aqui eu estava arrasada, sofrendo muito. Por um momento achei que não fosse conseguir. Pedir força a Deus. E entreguei Gabriel para ele cuidar, e pedi para que ele iluminasse as mãos dos médicos. E graças a Deus aqui estou sendo muito bem tratada. Temos alimentação, meu filho pode assistir TV, brincar à vontade. Eles fazem mamadeira para o Gabriel do jeito que ele gosta. Aqui a entrega é total, tenho liberdade. Falo sempre pra meu filho que foi Deus que trouxe a gente pra cá”. Apoio na casa é o que não falta. A equipe trabalha para não faltar nada. “Eu não compro nada aqui, nem um sabonete. Meu filho tem que tomar muito suco de beterraba, por conta da quimioterapia, e eles não deixam faltar nada e me atende qualquer hora. Alimento do bom e do melhor. Tem comida que na minha casa não tem, e a qualquer hora”. Mariza fala que faz as orações na igreja da casa, e que hoje está mais viva do que nunca. Não tem o que reclamar e só tem que agradecer o trabalho que a família realiza e esperar que tudo dê certo no tratamento do filho. “Eu sou muito grata a esta família, não sei nem como agradecer, fico até com vergonha de como eles me tratam bem. Posso ficar aqui o tempo necessário, até o tratamento acabar. A casa não tem pressa na estadia, o que vale aqui é a recuperação dos pacientes. O paciente pode ficar o tempo necessário”. Quimioterapia Eu vejo as lagrimas caindo num rosto de uma mulher que, desde criança, teve que lutar pela própria vida. Agora vê o filho, de dois anos, lutando contra um tumor raro na cabeça, mas com muita esperança. Tento não interferir, ofereço um pouco de água a dona Mariza. Mesmo chorando, ela não deixa de me contar as histórias. E fala, com lágrimas caindo e soluçando: “O Gabriel, quando faz quimioterapia, ele fica tão molinho, tadinho, não aguenta nem ficar em pé”. Cortou-me o coração. Sentadas à mesa, por um momento, passamos a observar Gabriel. Ele tomava seu lanche, quietinho. A mãe continua: “Quando ele está aqui, parece que está no céu. Já, no hospital, ele fica triste. Ele me pede: mamãe vamo pra casa”. Nesse momento, as lágrimas descem pelo rosto da mãe e ela o abraça. “Estou feliz que o Gabriel, meu anjo, esteja reagindo bem à quimioterapia”. Entre choro e alegria, a emoção é forte quando ela fala da melhoria do filho. “Entreguei meu filho a Deus”. ** Voluntária com amor Carmem Silva, “mineira de nascimento e goiana de coração”, de 57 anos, moradora de Goiânia, próximo à Casa de Apoio São Luiz, é cozinheira. Ser voluntário é doar um pouco do tempo para fazer o bem a quem precisa. Carmem começou o trabalho voluntário há 15 anos, no Hospital Araújo Jorge, em Goiânia. Lá, no começo, sem nenhuma informação, tinha muito receio de tocar nos pacientes. Há oito anos, atua na casa de apoio, onde não pretende mais sair: “Perdi todo o meu receio e criei coragem”, revela. O que a levou fazer esse trabalho foi o amor que sente pelas pessoas. “É colocar uma pitadinha de amor a mais, e isso não se explica”, conta - e o sorriso toma conta da feição de Carmem. Para ela, ajudar na cozinha é um trabalho que lhe dá muito prazer. Ela se sente honrada em poder dar um pouco do tempo a quem está precisando de carinho. “Adoro fazer almoço e ver todos satisfeitos”, conta a voluntária. De repente, chega um rapaz, com toda humildade, e pede para ela esquentar uma água. Ela se levanta, esquenta a água e entrega ao rapaz. Ele agradece. “Eles pedem, a gente atende na hora. Aqui tem de tudo pra eles na geladeira, que vive cheia do bom e do melhor”. Dona Carmem conta que alimentação é conforme o tratamento. “A família não deixa faltar nada, e a qualquer hora que eles sentem vontade de lanchar é só pedir”. E continua: “Nosso trabalho é fazer as pessoas se sentirem bem na casa, e amenizar o sofrimento delas. Aqui, a gente aprende a gostar das pessoas que chegam. Quando vão embora, sentimos saudade. Por outro lado, ser forte é um diferencial para qualquer voluntário. Saber lidar com as emoções na medida certa é fundamental”, ensina e completa: “Estou sempre forte para passar ânimo ao paciente, para ele continuar a luta e não parar no meio do caminho”. Carmem relata que os pacientes da casa vêm do Acre, Tocantins, Bahia, do Sul do Brasil, interior de Goiás. “Enfim, de todas as regiões, e nem por isso ficam sem estadia, Geralmente, eles chegam muito fragilizados e a casa não os deixam gastar com nada. Aqui, eles encontram tudo: do sabonete ao lençol. E se faltar doação, a família tira do bolso e coloca”. Disse que é como casa de mãe: “Sempre cabe mais um”. Com lágrimas nos olhos, Carmem fala que é preciso ser muito forte quando se perde uma batalha, para não demonstrar fragilidades àqueles que continuam lutando pela vida. “É preciso sempre trazer uma palavra amiga. Eles já estão doentes e sem esperança, por isso só levo palavras de amor, de amizade, nunca demonstro o contrario”. Comenta que não esquece as pessoas que passaram por lá. “Sinto saudades e fico muito feliz quando eles ligam”. ** Orlando Oliveira Teles, o vaqueiro O câncer atinge milhões de brasileiros. A doença não escolhe sexo, idade, raça, nem posição social. Mas, em pessoas carentes, a doença acaba fazendo um estrago maior. Por não terem condições de fazer um bom tratamento, muitos procuram apoio. Foi assim que o vaqueiro Orlando Oliveira Teles, 45 anos, se deparou com a leucemia - um tipo de câncer. Teve que gastar o que tinha e o que não tinha. Já sem recurso, foi encaminhado à Capital, Goiânia. Ele saiu de Vanderlei, na Bahia, sua cidade natal, com um tratamento caro e sem recurso, foi encaminhado pelo Hospital Araújo Jorge. Em meio a tanto sofrimento e desilusão, sem o apoio da Casa São Luiz teria desistido de lutar pela vida. “Eu teria voltado pra casa porque o custo é muito alto”. As dificuldades encontradas são muitas, o tratamento requer tempo, dedicação, além de pausas. O fardo é pesado para quem está lutando pela vida. Orlando gastou toda a economia em exames. “Só o meu patrão eu estou devendo R$ 20 mil reais”, revela. Ele chegou na casa de apoio e foi bem recebido. “Tinha ouvido comentários da casa, mas não imaginava tamanha dedicação e amor. Aqui eu não tenho gastos. A preocupação é apenas com o meu bem-estar. O pessoal daqui é preocupado e dedicado. Estão sempre à disposição”. Diferente de muitos, Orlando tem esperança e está há 50 dias na casa. Ele conseguiu um doador de medula, o seu irmão, José Ribeiro Filho, de 38 anos, funcionário público municipal de Vanderlei. Ele fala que a doença pegou a todos de surpresa, mas está feliz em saber que vai poder doar sua medula ao irmão. “Eu doaria até minhas as unhas, e sem anestesia, se fosse preciso”, ressalta o irmão, que mostra satisfação com o apoio recebido: “Eu não imaginava que era tudo isso, o trabalho da casa é fantástico”. **Enquanto isso... Nos bastidores Marquei com Fátima, a coordenadora da Casa de Apoio São Luiz, que voltaria numa quinta-feira, para tirar fotos do lugar. Me desprendi de ser repórter e fui dar uma de fotógrafa. Eram três horas da tarde quando entrei. Logo de cara, tinha um rapaz e um senhor, na ponta da mesa de madeira enorme - como a cena da Última Ceia. Era uma sala imensa. Eles falavam em voz baixa, e não passei despercebida. Os cumprimentei e me identifiquei com a recepcionista. Por desconhecer o que me levava ali, a secretária pediu que eu aguardasse, enquanto pediria autorização à coordenadora. À toa e à espera, comecei a olhar a vitrine, que tem os pertences do cantor Leandro. Estava tão entretida com tudo, quando percebi que estava ao lado de um senhor que, por sua vez, já se encontrava sozinho na mesa, a me olhar. Me perdi olhando os objetos. Foi quando fui surpreendida com a seguinte frase: “não entendo, tem até criança”. Olhei nos olhos dele, e ele abriu o coração. Eu achava que aquele senhor fosse o motorista da ambulância. Fui surpreendida com a sua história. Eu estava ali e, naquele momento, comecei o escutar, não como repórter. “Faz oito dias que não como nada, só tomo leite”. Diante da fartura que tem o lar, perguntei o por que? Ele foi me mostrando um pequeno nódulo, no seu pescoço, no lado esquerdo. Naquele momento, eu já tinha entendido tudo. Ele disse que tinha passado por cinco médicos, feito muitos exames, não tinha mais nada a fazer, pois os mesmos eram muito caros. Nessa conversa, tentei lhe dar força, falei que ele estava no lugar certo, e Deus lhe daria muita força para superar esta luta. Ele afastou o colarinho e falou da tal “biospa” - que mal sabia pronunciar. Era sobre a biópsia que ele queria falar. “Ele (o médico) tirou um pedaço aqui, e aí apareceu um caroço do outro lado”, conta, e começa a chorar. E, mais uma vez, lamentou não poder comer. Os seus olhos verdes, nesse momento, ficavam vermelhos e lacrimava. O senhor continuou com os olhos cheios de lágrimas e falou da tal quimioterapia - que eu ajudei a pronunciar. “É muito doloroso, eu fico ruim, mal...”. Tentei confortá-lo. Pedi para que ele rezasse é colocasse o seu problema nas mãos de Deus, e que tudo daria certo. Nesse momento, a recepcionista chegou e pediu para que eu ficasse à vontade para tirar as minhas fotos. Agradeci. Sabia que tinha que sair logo dali. Porém, continuei a escutá-lo. Aquele senhor me passou uma fragilidade: alguém que passou a vida toda trabalhando e, na velhice, se vê diante de uma luta que mal conhecia, e não aceitava o fato de crianças terem esses problemas. O choro dele saiu da alma e me deu uma dor no peito. Como eu gostaria de ajudá-lo, mas não sou médica, só o que me restava era confortá-lo com as minhas poucas palavras. Mostrar que ele estava no lugar certo, e que Deus tinha um plano na vida dele. Desejei muita força e sorte, acima de tudo. Assim eu me despedi, com o coração partido, deixando aquele senhor com suas dores e angustias, e muito sofrimento, para trás. CRÉDITO Rose Souza

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